A Justiça na Educação
- Ana Cláudia Pereira
- 12 de dez. de 2019
- 4 min de leitura
Atualizado: 22 de mai. de 2023
Ao longo do 1º semestre deste ano letivo, desenvolvi um trabalho subordinado ao tema “A Justiça e a Educação” no âmbito da unidade curricular de Filosofia do Direito e Metodologia Jurídica. Com efeito, a Professora Anabela Leão lançou-nos o desafio de analisarmos um autor de uma lista de obras, tendo a minha escolha incidido sobre Michael Walzer e as suas Esferas da Justiça.
O autor insere-se na corrente comunitarista, definida enquanto o entendimento de que os conceitos de justiça e pluralismo se interligam através do reconhecimento de uma diversidade de identidades culturais étnicas evidentes na sociedade atual, ou seja, através do reconhecimento de cada ambiente social, ou seja, através dos valores comunitários.
Walzer é, assim e também, um pluralista, no sentido em que admite que diferentes sociedades olham para a justiça de forma diferente. Só que, precisamente por ser este o seu entendimento, torna-se um relativista, já que o seu propósito não é o de universalizar uma conceção de justiça, mas antes o de conhecer as várias conceções adotadas pelas diferentes comunidades.
A sua noção de justiça prende-se não só com a produção e o consumo, como também com o processo de distribuição de bens sociais. Estes diferem de comunidade para comunidade, pois os bens só são valiosos se a sociedade assim os considerar. No entanto, para Walzer, essa distribuição não é simples, pois os critérios de distribuição também dependem do seu caráter social.
É aqui que se inserem as afamadas esferas de justiça, sendo cada uma delas composta por um ou mais bens, juntamente com os critérios da sua distribuição. O filósofo apresenta aquelas que considera serem, de algum modo, unânimes: poder político, qualidade de membro, amor, relações de parentesco, educação, religião, entre outras.
Para chegar à sua conceção de justiça, apresenta o conceito de igualdade complexa, em contraposição com a igualdade simples. Esta igualdade complexa implica dois critérios, tendo em conta as relações e sobreposições que se estabelecem entre as diferentes esferas da justiça em qualquer comunidade: o monopólio e o predomínio. É possível que determinado indivíduo tenha um conjunto de bens numa determinada esfera e tenha mais bens do que as outras pessoas – isto é uma situação de monopólio. Algo diferente é o indivíduo usar os bens que tem numa determinada esfera para obter vantagens noutra esfera – isto é o predomínio. Este, sim, é errado e gera injustiça, pois ultrapassa a fronteira entre as esferas de justiça. Deste modo, haverá igualdade se a posição que o indivíduo tem numa esfera não determinar automaticamente a posição que tem noutra esfera – é este o conceito de igualdade complexa de Walzer.
Passando especificamente para a esfera da educação (aquela que selecionei no âmbito do referido trabalho), o autor entende que a educação deve ser dividida em dois momentos distintos: primeiro, uma educação básica, que permita a todas as crianças dominar o mesmo conjunto de conhecimentos; e, depois, uma educação especializada, que tenha em conta as capacidades de cada aluno. Mas estes momentos exigem critérios de distribuição distintos.
A educação básica tem como principal finalidade formar cidadãos. Neste sentido, é evidente que a nenhuma criança deve ser barrado o acesso ao ensino básico. À primeira vista, parece-nos que o próprio Walzer admite, afinal, um critério de distribuição com base na igualdade simples. Todavia, essa simplicidade rapidamente se perde, já que os alunos não têm todos o mesmo grau de interesse e capacidade.
Partilho deste entendimento: de facto, as crianças devem ser constrangidas a, nos primeiros anos de vida, frequentarem a escola, enquanto garantia para elas próprias de que poderão desenvolver a sua personalidade individual e crítica, e para a comunidade em geral de que acolherá cidadãos com conhecimento do funcionamento básico e das regras da boa convivência em sociedade. Para além disso, creio que, no âmbito deste ensino básico, devem ser ministradas disciplinas com maior utilidade para a formação de um cidadão. No caso do sistema educativo português, o ensino básico ocorre durante 9 anos da vida de uma criança e, nesse período de tempo, pouco ou nada ela aprende que possa colocar em prática no futuro.
Para as crianças que pretendem elevar a sua mente a um “plano cultural superior”, Walzer concebe a educação especializada como uma espécie de cargo, entendendo que para aceder a ela os estudantes têm de se qualificar. Essa qualificação dá-se exatamente através da manifestação de interesse e capacidade, mormente dentro de um processo universal de escolha, que permita a todos os cidadãos apresentar as suas qualificações e ingressar nos lugares disponíveis para a educação especializada: através do exame universal.
Quanto a este critério de distribuição do ensino especializado proposto por Walzer, contrariamente ao que tem sido defendido pela maioria da população atualmente, eu acredito no sistema de acesso com base num exame universal. Remeto, de novo, para o que escrevi já sobre este tema.
Em suma, Michael Walzer, enquanto filósofo adepto da corrente comunitarista, põe a tónica numa conceção de justiça encarada em cada comunidade, o que influencia bastante a sua tese sobre a distribuição dos bens sociais. Em relação à educação em concreto, entende que devem estar em causa critérios de igualdade simples com atenção às diferenças de capacidade e interesse e, num momento posterior, um critério de qualificação com base num exame universal para aceder ao ensino especializado.
É um entendimento que me parece ser, na sua globalidade, legítimo, justificado e, sobretudo, suscetível de ser posto em prática na nossa sociedade, sendo que podemos já identificar alguns aspetos em que a sua teoria se encontra vertida no nosso ordenamento jurídico.
Imagem retirada de: https://www.revistaeducacao.com.br/quando-a-educacao-e-caso-de-justica/
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