A liberdade condicional em execução sucessiva de penas
- Ana Cláudia Pereira
- 17 de set. de 2019
- 3 min de leitura
Atualizado: 22 de mai. de 2023
No mês de setembro, realizei uma prova oral de melhoria referente à disciplina de Direito Penal III, uma das minhas mais-queridas. Durante a mesma, o Professor André Lamas Leite questionou-me sobre um acórdão para fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de julho do presente ano e que abordava o seguinte problema: perante a revogação da liberdade condicional concedida a um condenado em execução sucessiva de penas, terá este direito a nova liberdade condicional quanto ao tempo remanescente?
Como é sabido, quando há execução sucessiva de penas, aplica-se o sistema da soma para efeitos de liberdade condicional, isto é, aferem-se os momentos possíveis de concessão deste instituto de natureza especial tendo em conta a soma das várias penas a que o agente foi condenado. Assim, perante 3 condenações de 6, 5 e 3 anos de pena de prisão, será perante os 14 anos que serão aferidos a metade, 2/3 e 5/6 da pena. Relembro também que a revogação da liberdade condicional está sujeita ao regime do artigo 56º nº 1 (referente à pena suspensa) por remissão do artigo 64º nº 1. Assim, só poderá haver esta revogação se o libertado condicionalmente “infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social” ou se cometer novo crime intimamente conexionado com o crime pelo qual se encontrava preso. Nestes termos, a revogação será ope judicis, pois caberá ao tribunal de execução de penas averiguar a tal íntima conexão dos crimes, designadamente dos bens jurídicos violados.
Esta questão do acórdão coloca-se tendo em conta a norma do artigo 63º nº 4 do Código Penal, confrontada com o artigo 64º nº 3. Este diz-nos que “relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61º”. Ou seja, se for concedida a liberdade condicional a metade da pena a determinado indivíduo e, entretanto, esta for revogada, o mesmo agente pode beneficiar de liberdade condicional a 2/3 ou 5/6 da pena, se cumpridos os requisitos do artigo 61º. Mas a norma do artigo 64º nº 3 está pensada apenas para os condenados a penas singulares? É que o artigo 63º tem por epígrafe exatamente “liberdade condicional em caso de execução sucessiva de penas”, o que nos leva a considerar que consagra um regime especial em relação ao regime geral do artigo 64º. E a contenda prende-se especificamente com o preceito do nº 4 do artigo anterior que dispõe que “o disposto nos números anteriores não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional”. Um dos números anteriores refere-se especificamente à possibilidade de concessão de liberdade condicional a 5/6 da pena a um condenado em execução sucessiva de penas. Parece, então, que, em caso de posterior revogação, não haverá lugar à liberdade condicional dita “obrigatória” para este tipo de condenados, ao contrário dos condenados a penas únicas.
Com efeito, poderia argumentar-se que o condenado teria gerado a legítima expectativa, no momento da condenação, de que poderia requerer a concessão de liberdade condicional em 3 instantes temporais diferentes. Mas será de proteger as expectativas de um condenado que, após lhe ter sido dada a oportunidade de sair do estabelecimento prisional antes do cumprimento total da pena, viola as exigências que lhe foram impostas ou comete novo crime? Creio que não. Aliás, este tipo de condenado já deve ser mais punido pela ordem jurídica, pois cometeu vários crimes, tornando-se um criminoso pluriocasional.
E está a ser violado o princípio da igualdade consagrado constitucionalmente, em virtude de se privilegiar o condenado a pena única que, após revogação da liberdade condicional, pode ainda beneficiar de nova concessão, enquanto que um condenado em execução sucessiva de penas não pode? Também acredito que não. O próprio princípio prescreve que se deve tratar por igual aquilo que é igual e estes são criminosos distintos, reforçando a ideia de que o criminoso pluriocasional deve ser mais punido.
Apesar da existência de vários votos de vencido, o acórdão em análise vai no sentido da minha opinião pessoal: “Havendo lugar à execução sucessiva de várias penas pelo mesmo condenado, caso seja revogada a liberdade condicional de uma pena com fundamento na prática de um crime pelo qual o arguido foi condenado em pena de prisão, o arguido terá de cumprir o remanescente dessa pena por inteiro por força do disposto no art. 63.o, n.o 4, do CP, não podendo quanto a ela beneficiar de nova liberdade condicional.” Convido, deste modo, os leitores a lerem os argumentos apresentados pelos juízes conselheiros, disponíveis em: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ee5a13249f35da7e8025842e00504a8c?OpenDocument
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